Por Bárbara Lia.
Flor escandalosa
Meu pai sonhava o deserto
E viveu ao lado do amor
Rimbaud sonhava as areias
Também reinventar o amor
Rimbaud viveu no deserto
Meu pai morreu de amor
Meu pai surfava o mar de estrelas
Com um teodolito da cor da destemperança
- verde oliva que tende ao amarelo –
Quando eu dormia ele soprava
Sementes de poesia
Por cima das minhas cobertas
Rimbaud passava noites inteiras
Regando com um regador de nuvens
Minha alma de fogo e a semente
Nasceu esta flor escandalosa
Misto de estrela e rosa
Da cor dos olhos do amor
E do deserto sonhado
Por meu pai e Rimbaud
Meu pai viveu em poesia
Nunca escreveu um verso
Rimbaud desistiu bem cedo
Meu pai sabia; sabia Rimbaud
O vento que atravessa a cortina
Traz a voz de ambos, mixada:
Ilumine o verbo!
Incendeie a alma!
Faça de corações desertos
Cactos em flor
Sangue em ebulição
*
quando ele corria
pelos telhados de ardósia
as pombas arrulhavam
em ventania
seu casaco - vela sacudida
estremecia
a maré da monotonia
Dans l’air
Tínhamos a mesma idade
Quando vimos o mar
Este mistério de impaciência
Tínhamos a mesma impaciência
– Rimbaud e eu –
Por isto
Pisamos telhados
Ao invés do chão
Por isto
Machucamos nossos amores
Com nossas próprias mãos
Por isto
As velas acabam na madrugada
Antes que o poema acabe
- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.
Mar/absinto
Nossos olhos de dezoito anos
acomodaram o mar
Sobrou a maré em torno
um sussurro de conchas
a nos acordar nas noites brancas
Nossos olhos de dezoito anos
beberem do mar/absinto
como ao vinho santo.
Nossos olhos embriagados.
Nossos olhos negros e azulados.
Uma sereia recolhendo a rede
os corações de dois poetas ali
enredados
Nossos olhos de dezoito anos.
Nossas almas milenares.
Nossos amores fracos à soleira da incerteza.
Tanta beleza em ti, Rimbaud!
Tanta ausência em mim!
E nas marquises
bêbados ainda caminham
buscando o sol
que você guardou prá mim
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