quinta-feira, 22 de novembro de 2012

ISSO NÃO É UMA REVISTA LITERÁRIA.


A ideia era antiga, criar uma revista de literatura, digo, um zine literário, de papel, que pudesse cair nas mãos das pessoas, passear por aí, ser lido no ônibus, ser deixado em ônibus para que pessoas aleatórias pegassem e lessem. Um zine totalmente dedicado a literatura. Sentei, convidei algumas pessoas, o tempo passou e o zine não foi para frente, não saiu. Mas a ideia na cabeça continuou, e depois de tanto tempo reverberando dentro, me chegou; "Porque não fazer um e-zine?" Já que estamos em tempos de internet, o e-zine poderia chegar a mais pessoas através de telas, e trazer mais colaboradores. Ok então, sentei, fiz uns convites e depois de tanto atraso aqui está, essa revista literária que não é uma revista, feita nas coxas, mas com carinho para os leitores.

A pergunta é: Para que mais uma revista literária nessa internet entupida de revistas literárias?

Nem eu sei essa resposta. Isso aqui é só uma vontade de criar mais um espaço para publicações de conhecidos e principalmente de desconhecidos que escrevem. Mais um espaço dedicado a literatura, essa arte que tanto gostamos. Mais um espaço onde você pode enviar o que escreve e ser publicado sem frescuras. Só uma forma de fazer o que gostamos e do nosso jeito.

Como faço para ser publicado nessa revista que não é uma revista? Escreve para letramecanica@gmail.com enviando seu texto, e na próxima edição ele estará aqui. Simples.

Nesta primeira edição conto com companheiros muito bons. Pessoas que tenho que agradecer por ter atendido tão prontamente e rapidamente meu pedido de contribuição. Paola Benevides com seu ânimo e entusiasmo foi quem mais me deu gás para colocar essa edição do e-zine no ar. Bárbara Lia tão graciosamente me enviando seus poemas e Anna k Lima de pronto me enviando seu texto. Jorge Elias também, que participa dessa edição com poemas seus. Agradeço a vocês todos por participar dessa edição, e espero de outras que possam vir ainda.

Carlos Alberto Nascimento - Editor que produziu e postou essa edição ao som de Piano Works de Erik Satie.

ENTRELINHAS DA PERDIÇÃO.




Matilha

Nomeados
os lobos,
desembanhei os caninos
          – incógnitos
e ensaiei a dança
solitária
do uivo
na imensidão austral.



Entrelinhas da Perdição

Farfalha o sargaço
no remanso
desse mar extinto,
despido de surpresas.

Perde-se o sal 
nos lábios
ingênuos 
que recolhem o sabor
da morte
triturada
― pacientemente ―
como uma esperança.



Paranoia

O minuto dividido
em sessenta pressentimentos.



Meu Corpo

Para Berredo de Menezes

Meu corpo
é essa areia
rarefeita
que parte
do deserto
e impregna
as pétalas.

Meu corpo
é um grifo nas dunas
que se desfazem
em Mundo.

Meu corpo
é a velhice de um tempo
desabençoado
pelo silêncio.

Meu corpo
é a textura vulgar
de um remendo
da insensatez.

Meu corpo
é pressentimento
de moeda
que dissolve o pecado.

Meu corpo
é bojo de névoa
ruminada no pasto.

Meu corpo
é a universalidade
de um nada carente
de sentido.

Meu corpo
exilado na descrença
                                jaz
no giral de ofertas
de um supermercado.

O RASURADO AZUL DE PARIS - POEMAS PARA ARTHUR RIMBAUD,






Flor escandalosa


Meu pai sonhava o deserto

E viveu ao lado do amor

Rimbaud sonhava as areias

Também reinventar o amor

Rimbaud viveu no deserto

Meu pai morreu de amor


Meu pai surfava o mar de estrelas

Com um teodolito da cor da destemperança

 - verde oliva que tende ao amarelo –

Quando eu dormia ele soprava

Sementes de poesia

Por cima das minhas cobertas


Rimbaud passava noites inteiras

Regando com um regador de nuvens

Minha alma de fogo e a semente

Nasceu esta flor escandalosa

Misto de estrela e rosa

Da cor dos olhos do amor

E do deserto sonhado

Por meu pai e Rimbaud


Meu pai viveu em poesia

Nunca escreveu um verso

Rimbaud desistiu bem cedo

Meu pai sabia; sabia Rimbaud

O vento que atravessa a cortina

Traz a voz de ambos, mixada:



Ilumine o verbo!

Incendeie a alma!

Faça de corações desertos

Cactos em flor

Sangue em ebulição

*


quando ele corria

pelos telhados de ardósia

as pombas arrulhavam

em ventania

seu casaco - vela sacudida

estremecia

a maré da monotonia



Dans l’air
  

Tínhamos a mesma idade

Quando vimos o mar

Este mistério de impaciência

Tínhamos a mesma impaciência

 – Rimbaud e eu –



Por isto

Pisamos telhados

Ao invés do chão


Por isto

Machucamos nossos amores

Com nossas próprias mãos


Por isto

As velas acabam na madrugada

Antes que o poema acabe


- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.



Mar/absinto



Nossos olhos de dezoito anos

acomodaram o mar

Sobrou a maré em torno

um sussurro de conchas

a nos acordar nas noites brancas


Nossos olhos de dezoito anos

beberem do mar/absinto

como ao vinho santo.


Nossos olhos embriagados.

Nossos olhos negros e azulados.

Uma sereia recolhendo a rede

os corações de dois poetas ali

enredados


Nossos olhos de dezoito anos.

Nossas almas milenares.

Nossos amores fracos à soleira da incerteza.

Tanta beleza em ti, Rimbaud!

Tanta ausência em mim!


E nas marquises

bêbados ainda caminham

buscando o sol

que você guardou prá mim

FRIA E RÍSPIDA ELA TE MOVE.


Por Paola Benevides.




Nem Piedade

Por favor, um canhão para aliviar tua dor por mim.
Carrego tanta vontade de te morrer, que vivo mais.
Tens medo do quê? Farei como quem só joga boliche.
Tu: um pino no centro. Eu: dedos cravados na bola.
Concentro e arremesso - simples assim, até caires.
Há outras dores menores, mas te preservo a grande.
O medíocre da história é teu prazer ao mistificar.
Serei ruim com quem reza para minha alma de má fé.
É sempre o inimigo que lava o pé, amigo crucifica.
Finca tua unha postiça na lama agora, muda mulher.
Sente enfeiar, crispa no sol, chora feto e afetos.
Teus descendentes vêm da água dessa infertilidade.
Não temos mais idade para isso de sentir saudades.
Tempo já acabou para quem falta, a espera desiste.


Fria

Dou pedrada em lagoa até ferir o dorso do sapo
(só não virou príncipe, porque falta de beijo magoa)
Sou pedra de gelo quebrada a sorrir dentro do saco
(bem depois de levar umas belas de umas pauladas)
Vampirizaram minha alma e agora estou aflita
Exigem que eu dê meu sangue a troco de nada:
- Nada nessa água até ficar com hipotermia, sua maldita!
Então, eu entro nessa fria e fico calada.



Ríspida

ATO I

Rabisco todas as folhas possíveis de uma resma (500 páginas) por semanas, enquanto aponto o lápis até ficar do curto ao inutilizável. A mão doendo. Separo todas as raspas da fina madeira suja de grafite e as coloco dentro da pia, sem tampa. Ligo a torneira a entupir o cano rapidamente, tudo de propósito, a fim de causar algum estrago. Afinal, hoje em dia tudo é artístico. Sendo dano, torna-se ainda mais convincente. Trago-lhes em lodo, portanto, um banheiro transbordante e absurdo!


ATO II

Quero chutar a canela fina daquela mal-amada com minha perna bonita, toda torneada no gesso, quebrar com a quebrada para ficarmos quites na rasteira. Inchar aqueles olhos fundos na base da porrada, com meu punho a ponto de contrair Lesão por Esforço Repetitivo, só por esporte. Tudo para ela saber que caminhar firme e olhar além, tranquilo, é para os fortes. Ama-se também à ponta-pés e a golpes de vista. Tudo é ensinamento. Se for briga, lamento. A intenção de selarmos a paz cela até o cavalo mais arredio. Que dirá esta égua a me coicear, relinchosa... Aceita!


Sonholenta

Bem que o céu podia se estilhaçar agora no chão só para eu ter o aconchego de um frio natural, sem aquele calafrio forjado de todos os lugares com ar-condicionado, e então embalar meu sono-neném debaixo de cobertas bem grossas.

Queria o afago do vento em meus cabelos feito mão de namorado e meu corpo a roçar o calor do colchão tal um sem-teto descobrindo-se em seu próprio lar telhado.

Aconchego maior esse de concha a abraçar nácar até se transformar em pérola-madre. Mãe é casa onde a gente passou meses a morar, moldar, para depois partir. Mundo é meio de rua, cansa a gente de tanto rodar. O que atenua a vertigem é ter por que andar, mesmo que não se tenha perna nenhuma.

Aqui, ao menos, é permitido sonhar.

DO ATO DE FALHAR.


Por Carlos Alberto Nascimento



O Medo

“Quantos sonhos em sonhos acordo aterrado?”
Lobão

“Em que festa eu serei a despedida?
Em que caminho eu serei o meu atalho?”
José Telles


Onde permaneço em um lugar que mal conheço?
Em que coração habito sem saber que ali fui colocado?
Em que olho estou para ser observado?
Em que poema existo sem saber que ali fui escrito?
Em que quadro vivo sem saber que ali fui pintado?
De que lado estou no qual a escuridão me habita dia e noite?
Que sofrimento sou que coroe algum peito?
Que paixão sou sem sabe que acabei despertando?
E que vida é essa que por mim ainda não foi encontrada?




Um Vampiro Nas tardes Ociosas


Separado por um tempo

Que escore por ponteiros de um relógio

[morto

Atravessando uma tarde de sol negro

Que torna meus olhos escuros,

Caminho pelo dia

Sem grandes preocupações.



Respirando ar cinza

Que deforma minhas narinas e pulmões

Observando as ruínas da cidade,

Percebo

Que os prédios caminham devagar ao meu lado

Junto com o asfalto
Que vagarosamente dissolve-se

E flutua para o céu

Onde futuramente derramará lágrimas que deformará

[minha fase.


Observando a adolescência da tarde,

Percebo que sou um bruto

Em relação às horas

E aos ponteiros do relógio,

Que vagarosamente se mantém distraído

Observando meu cansaço

E meus medos

Em relação à vida.





O Dia Entre Dois Fios do Telefone

Pessoas andam por ruas com os olhos fechados

Como uma marcha sega de sonambulismo,

Carros transformados em armas vagam em pistas

E o sol queima a pele de quem caminha.


A música toca alto no rádio do vizinho

Falando sobre amor e outras tristezas

Sem preocupações sobre o futuro da nação

Ou homens que sentem fome.


Folhas caídas de árvores queimam em pleno meio dia

Misturando-se e sendo transformadas em lixo

O gari que limpa as ruas fala e reclama;

“Que sujeira essa cidade!”

E mentalmente agradece a Deus o emprego que tem.

Generais sentados em cadeiras acolchoadas

Em salões redondos e gigantes com ar refrigerado

Conversam sobre como os tempos estão tediosos,

Então se põem a discutir refletir e planejar

A destruição de um país ou dois

Para matar tempo, tédio, cultura e pessoas.


O dia transcorre normal

Entre os dois fios do telefone.







Do Ato de Falhar


A tarde deita sobre mim

E me sinto incomodado

Com o abraço que o sol me dá,

Folhas verdes

De árvores negras acenam,

Eu nunca respondo por que sou tímido.



Jovens caminham olhando para o horizonte

Moças passam insinuando-se

E eu grito me orgulhando

Por falhar em um poema.


ENSAIO SOBRE O PASSARINHO MAS EU QUERIA MESMO ERA FAZER UMA DECLARAÇÃO DE AMOR.



Por Anna K.



Em minha mão cabia apenas aquele filhote de passarinho e alguns poucos sonhos, aqueles dos quais não conseguia me desvencilhar nesses idos dos dias todos. em forma de concha, em minhas mãos todo o amor do mundo, felicidade libertada prestes a alçar vôo diurno, noturno, madrugada afora e aqui bem dentro o dia raiando como depois dos fogos de artifício do réveillon, como o dia mais esperado do tempo novo após as cidras todas e todos os abraços, os alvoroços e os beijos molhados repletos de entusiasmo.

Deus dentro, me disse e eu só consegui reparar nos olhos brilhantes de quem carrega paixão. pensei no passarinho acolhido e aprisionado na mão, a forma de concha, o calor das linhas táteis da vida, destino, família, amor. teremos cinco filhos, tá escrito bem aqui, entre a minha mão e a tua.

Nossas linhas se cruzaram outra vez, entre o destino e o aprendizado. consigo ler serenidade e bem querer, querer demasiado, querer intenso, querer a eternidade do hoje do amanhã dos dias todos, cabelos brancos e previdência social: eu sou o seu destino.