sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Isso Não É Uma Revista. Segunda Edição.

Na rede, a segunda edição dessa não revista literária, nesse dia de fim de mundo. E essa segunda edição conta com um conto inédito de Carlos Emílio Correa, um dos grandes escritores de Fortaleza. Fiz o convite e ele de pronto enviou um conto inédito de seu mais novo livro de contos, ainda inédito também. Outro grande escritor dessa cidade forte (meu cronista favorito) aparece aqui com uma crônica sua antiga, dos tempos dos fanzines em papel. Resgatei esse texto e coloco aqui enquanto Edvaldo Ramos Leite prepara seus contos fantasmagóricos para o e-zine. Recebi também da amiga Ismalia Fontes dois poemas de seu pai, e os coloco fazendo uma homenagem a ele, fechando essa edição. Agradeço aos companheiros que participam dessa segunda edição. E vamos lá.

Carlos Alberto Nascimento

Diálogo no Mediterrâneo Anterior.


Por Carlos Emílio C. Lima.


O dia de hoje tem quimeras acondicionadas em piscinas térmicas, vozes proliferam em ramos giratórios que procuram o sol posterior dos universos...  E você come as próprias mastigações do espaço como se fosse comida oriental do Vesúvio, trazida para ele em naves aéreas invisíveis. Você sabe do velho rito das térmitas, cor de sibila, ventre de pó, qualidades sem luz que almejam, simplesmente almejam. Você por ali , na boca do Vesúvio escrevendo canções na argila tensa do animal adormecido, nas bordas dele gravando e estipulando o livro sobre os alpinistas desconhecidos. Houve quarenta canções que você enfeixou num caderno primordial antes do diluvio e que eu sempre procurei achar, eram sobre deuses da criação, deuses partidos por flores muito rápidas de aflição perdidas na atmosfera antes das primeiras escolhas urbanas da mente geográfica. São coisas que não se dizem facilmente, que precisam ser procuradas com os estiletes-ramos  dessa montanha quase sucumbida em ternas mortições. Você achou , por causa de um sonho, um dos dentes secretos numa cidade intensíssima , guardado num cofre de um banco de espíritos, era um dente irrealmente gigantesco, carcomido, mas perseverando ainda inscrições remotas com listas de objetos cantados cujas funções muito raras ainda não compreendemos. Não sabemos porque aquele povo só conseguia desempenhar sua escrita na superfície comandalisada por estrelas rombudas desses dentes espalhados como sementes de futuras montanhas videntes. Esses 40 dentes enormes haviam caído na Terra  em regiões sacerdotais. Tudo antes do dilúvio, antes do amortecimento dessas velhas canções ampliadíssimas. Um dente de ouro concreto, cernudo, dentro dele um dia imensamente roubado. Um dia com seu sol perpendicular e sua lua despregada com suas paliçadas a esmo. Correntezas em tiras escritas. O dente escutava tudo o que não existe, como se tivesse braços para remar em si mesmo, na sua memoria de líquidos de ventilações de reflexos. Dentições de um ser-universo que não sabemos a forma, a ecosistência, a orientação de seus fluimentos, suas indizíveis e prováveis muitas cabeças a beça. E o dente era coroado à distancia, com gritos muito fios finos retilintando  potências degladiando-se. Você passava a mão complexa distintiva com seus muitos dedos raiados  entre os cabelos em expansão, com renitências, as pupilas se amplificando, piando. Descia do Vesúvio para almoçar na planície com seus próprios dentes, mandíbulas pensantes, com todas aquelas imagens na cabeça. Que ser tão gigantesco fora aquele que tivera seus dentes espalhados pela Terra ? Teria sido sacrificado num barco sem limites? Sua pele seria este céu que brilha por nós estrelado? Você foi mais e mais se propondo a escrever, traduzir as canções, uma canção irredutível para cada dente, remotizando aos poucos as tradições das escritas sobre o marfim sincopado de silêncios surpreendidos no ápice de sua duração, aumentados. Mas você tinha o encontro prosaico, urgia o que perfazer. Almoçar no restaurante de atmosfera congelada, perto do mar. Conversar com a amiga recém-chegada da ilha antiga, onde vivia entre tigres e pavões, num bosque no meio das águas, preparando azuis e suas músicas de povoamento estelar. Ela sabia criar novos meios de transporte camuflados dessa música, com sua peles místicas acolchoadas, elevadíssimas, sempre em suspensão de sorrisos-naves e encantações autogeradas. Agora ela chegara, a de alma submarina. Você recebera o aviso-fonema no alto do vulcão, convidando-o para a refeição de conversações giratórias onde você se  ampliaria notório no meio de  estórias contemplantes. Num baque de armazéns com suas vértebras de adegas. Era melhor descer das bordas do vulcão para escutar o que ela lhe tinha a dizer com suas muitas vozes de propulsão entoada. Os dentes de granito, de ouro, de prata, todas essas camadas minéreas superpostas com seus estampidos acondicionados dentro, em suspensão, os dententes chamavam de longe, em ecoações. Urgia enconrtrá-los, os outros que faltavam, um por um, urgia preparar as expedições cromáticas, coribânticas em suas outras 39 direções entrelaçadas, fazer o tecido de preces, bordar com os fios dos horizontes vocálicos. Adênia chegara pra informá-lo de cada princípio de ecoação de cimos imotos, ela viera para se autodescrever como um périplo ao seu si mesmo, de perfume compresso.

Trouxera-lhe a lista que você tinha que cumprir aguardanapada, num papel de saliências e declives miniaturizados, toda uma região, topografia minuciosa da uma  recurvada planície, uma “pnamide”, de antes do dilúvio na palma da mão e sobre ela a escrituração da lista ainda vaga, com as incumbências e alguns indicações sobre instrumentos raros de prospecção onírica para os preparativos da expedição simultânea .  O salão do grande hotel envidraçado estava em plena festa do meio dia. Comeríamos medulas untadas de unguentos, azeites nos fariam cantar o hino silencioso dos ossos? Preparava-se desde ali uma construção muito sutil, quase espectral  naquele restaurante à beira-mar através de refeições; toda aquela culinária e digestões resultantes seria uma forma de construir alguma coisa muito intensamente além de si , alguma coisa até então impossível de acontecer nós preparávamos sem saber, cozinheiros, garçons, comensais, hóspedes, fumantes nas laterais do salão translúcido. O que sabíamos mesmo de qualquer coisa, de si e do mundo? O que sabíamos do que não sabíamos? Mas não fora sempre assim desde que iniciara suas idas diárias ao vulcão sonolento, pensante útero dissolvente , incandescente de tantos corpos de suicidas fugidos das palavras e de comediantes acidentados, fervendo muitas almas ali, transformadas em fumaça. Toda a semana de novembro voltava de seus passeios ígneos sozinho, e almoçava apenas com sua mente, sem sequer rabiscar anotações onduladas no guardanapo de linho dócil. Mas hoje avistara do alto do vulcão o seu balão, o elo dela,  da inconquistável senhora, flutuando indicativo, provável que cheio de vogais futuras, ali,  ancorado na praia, destro ao perfil náutico do hotel viajante. Ela chegara , como uma incisão no espaço, uma hélice muito rápida e profunda dinamizava-se na atmosfera, vaporizando-se a cantar e a equilibrar pássaros ao longe, aquecendo formas mais que futuras. Com suas pupilas de tilintação seus olhos exuberavam sua presença por todos os lados, os cintilantes pratos  de porcelana ancestral e copos de cristal, como se cortados ao espaço, empilhados , zuniam azucrinados dela, sentiam sua presença num êxtase compressivo. Tudo que era sólido, material, se esmerilhava, se interagia com suas moléculas e com seus átomos que repercutiam mais sem hiatos, vibratoriais orações sem intervalos, todos os artefatos esmerados, tudo aquilo que fora fabricado dos proliferados materiais da Terra, ficava mais nítido, bem para dentro  do into espaço, intocabilizando-se por réstias íntimas de segundos palpebrados , um vento neutral de deuses ao inverso equalizava-se com restâncias, babas, formigas sem antenas, uma vestimenta incorpórea  era preparada gota a gota evaporada para todo a cidade balneária. Uma baleia viva era pouco a pouco atraída do fundo do mar  por toda aquela cidade, com seu livro de tímpanos, interior, com suas páginas estomacais folheadas por intermitências de buscas ao abismo, ventiladas.

Trouxera ela algo de novo ao espaço? A boca entreaberta pronta para a divulgação do “neome” da coisa intromissiva, desengavetada do interior químico do espaço, um bago de uva visionário, alado, saindo-lhe de entre os lábios, borrifando quandos,  num vapor.

De onde viera aquela sensação de que ela era alguma coisa a mais de si mesma, assim feminina com seus vestidos auto-envolventes de dançarina súbita? Fora descendo os flancos timbrados pelas sombras das nuvens pesadas casadas com o vulcão que percebera que não a  conhecia inteiramente, a essa irmã mais velha, sempre mais a leste do que ele, quase irreal porque nunca perto. E agora, essas visitações. O que desejava, ela que tanto se afastara dele todos esses tempos, pelos seus estudos de levitação, em seus estúdios arbóreos, em meio aos seus jogos metafísicos com nuvens marítimas, naquela ilha que ia construindo aos poucos extravasando os aterros ao redor como de si mesma, aracnídea, alimentando-se com o improvável de  novos frutos genéticos de seu bosque palaciano, isolada no meio do grande arquipélago no golfo do mar altíssimo, acima do horizonte?

O que queria dele, mesmo, relatar? Somente dos pontos onde caíram os dentes do imenso ser de antes do diluvio vinha ela lhe falar? Evadia-se algo dela que não percebíamos, ainda. Era preciso cautela milenar, aprendida com o sangue e com o mar.

Sartre e o Nada.



Por Edvaldo Ramos Leite


[Sartre em; O ser e o nada, ou qual quer bobagem dessas, eu não me importo eu não ligo!
Ensaio ontológico sobre a tensão argumentativa noturna nos ante – Sartreanos e etc.etc. e tal.]

É madrugada. A poeira das revistas e livros antigos faz descer do meu nariz um tipo de catarro engraçado que brilha bonito. É mais viscoso que os catarros normais e observo sua lenta descida até o pano de chão que arrumei para apará-lo.

Enquanto vejo esta bela secreção sair de dentro de mim, penso em como é difícil juntar umas letrinhas pra dizer as coisas nas quais acreditamos. Assim, sem parecer nem menos do que você é. “What is it you want to change?” (o que é que você quer mudar?). Aposto que, toda vez que as letrinhas teimam em sair da sua cabeça você pensa nessa frase e ela se repete exaustivamente ai dentro.

Sartre repousa pesadamente sobre minha mesa, no interior das mais de quinhentas páginas de “O Ser e o Nada”, que eu não sei se vou ler (provavelmente não, o que você acha?). Conforta-me a ideia de que talvez Sartre também não soubesse o que “O Ser e o Nada” mudaria. Conforta-me ainda mais a certeza de que, mesmo que eu quisesse, não me meteria a escrever mais de quinhentas páginas e ainda assim não saber o que muda depois de tudo.

Acho que não é muito adulto brincar de elevador com o próprio catarro. Mas sei lá, a filosofia, pelos mesmos motivos, também não é muito adulta. Cada um defende aquilo em que acredita.

Eu acredito no catarro. Você pode acreditar em Sartre ou no seu catarro. O fato é que, tudo que preciso é de um lenço! Para Sartre, conseguir umas letrinhas era bem mais fácil do que é pra gente (será?). E que diferença faz? Bem, não há nenhuma diferença entre Sartre e eu, a não ser a de que ele precisaria de zilhões de argumentos para explicar que o meu catarro existe, enquanto eu simplesmente sei que ele existe.

Ossos do Ofício.

Por Carlos Alberto Nascimento.

Um Estrangeiro em Uma Cidade em Movimento

Eu olho para a cidade em que vivo
E não reconheço seu rosto
Talvez por que ela não deve ter um rosto fixo
E sim vários rostos e formas variadas.

Mesmo assim me dói não conhecê-la,
Pois não conheço o nome de suas ruas,
Sinto-me um estrangeiro vivendo neste lugar.

Eu olho para a cidade que me observa
Tão atenta a meus movimentos
Quando caminho sem atenção
Por suas ruas vazias.

Eu defloro a cidade com minha falsa pureza
Sem ter nenhuma pretensão
Em transformar algo de mim em prazer.


Ossos do Ofício

Ela chora de saudade
E clama por uma cidade
Que não nos olha de frente.

Eu me deito no chão
Sinto as pedras e as agulhas
Que aos poucos me penetram
E tornam-se ossos de reserva.

Deito, e lembro de um sonho
Que tive noite passada
E penso em transformá-lo em filme.


Visões

Pedras em meus olhos
Me fizeram ver
Vermes mastigando músculos
E pedaços de cérebro jogados na areia.
A terra apodrece a cada volta
O sol se torna distante
E ao recuar queima pele e cabelos
De seres que não mais respiram.
Tudo se tornou oco e frágil
Tudo se parte como o tempo
Somente o vento permanece sólido
Em minhas mãos.





Res Dubia, Reinaldo!

A lua flutua entre as quatro paredes de meu quarto
Os prédios crescem muros aqui dentro
Crescem alto e eu penso grande.

Jesus cristo me olha e me aponta dois dedos (como se fosse arma)
Eu crio monólogo e digo o que penso
Sinto e sobre todas as perguntas não respondidas,
Ele me observa sem responder
Mas repentinamente diz que tenho que enxergar.

De minha janela vejo que o mar esta fechado para reformas,
Me pergunto que grandes mudanças farão (faremos).
Carros passam rápido
E o verde desliza pela paisagem.
Sinto que um outro mundo está mais próximo de mim agora
Mas revoluções dissolvem-se em meus dedos
Como se fosse água.

Meus amigos estão cada vez mais distantes e sérios
Todos com empregos fixos nos bolsos.
Eu continuo sentado fazendo versos
E me perguntando se isso poderia ser considerado poesia.

Quando Tudo Acabar.


Por Gelmirez Fontes

Dedicatória

Aos que se nutrem de ilusões desfeitas
E de imperfeitas realizações
Dedico a solidão com que te enfeitas,
Alma prenhe de arrítmicas canções...
Aos que procuram, junto à frases feitas,
Esmaecidos ecos de ilusões,
Dedico de minh’alma as mais perfeitas,
Mais insensatas reverberações...
Aos que pressentem dentro de si o intruso
Murmúrio de uma música que insiste
(sem que pra ela se ache qualquer uso)
Dedico esta beleza que ainda existe.
Porque, se pelo belo me conduzo,
Inda não sou completamente triste.



Íntimo Desejo

Quando todos os rios de mim se apartarem
E já não houver mar
Onde eu possa morrer
Então eu quero morrer
Quando as fases da lua não mais me atuarem
E já não houver luar
Para me enlouquecer
Então eu quero morrer
Quando todos os bares se esvaziarem
E já não houver bar
Onde eu possa beber
Então eu quero morrer
Quando todos os loucos enfim se curarem
E um doido não se achar
Para me convencer
Então eu quero morrer.